domingo, setembro 11, 2005

John Lennon, Tio Sam e Bin Laden

Estava no carro e o rádio despercebidamente ligado até uma velha balada me tomar a atenção. Era “Imagine”, do beatle cabeludo, numa versão editada com trechos de reportagens sobre o atentado ao World Trade Center em Nova Iorque. Ouvi a canção afundado em pensamentos profundos. Vi-me absorvido por uma certa melancolia, uma frustração, talvez exalada por tantas almas que neste mundo compartilham o desejo de paz e, desgraçadamente, vêem-no ainda tão à mercê dos brutos. Entendam-me: os brutos de hoje não arrastam suas fêmeas pelos cabelos, nem ceifam vidas com a lâmina de uma espada. Os brutos agora se vestem de civilidade e ainda dividem o mundo entre mocinhos e bandidos. Contra esses últimos, justificam os primeiros toda a virulência, todo o derrame de sangue inocente.

É curioso e ao mesmo tempo sombrio notar que o presidente da maior nação mundial veja o mundo sob perspectiva tão simplista, tão redutória. Essa miopia ianque – digo ianque porque cerca de 90% dos americanos concordam com a retaliação militar – faz com que não percebam que as “formigas” que lhe picam são as mesmas que são pisoteadas sem clemência pelos pés grandes e truculentos do Tio Sam. Grandes demais. Grandes a ponto de lhe dar muito trabalho qualquer esforço de se desviarem de pequeninos pontos que se movem, uma multidão de famintos que nunca ouviu falar de George Bush.

O presidente caubói (Bush é texano) revive o espírito que animava as palavras da dama de ferro, Margaret Thatcher, nos anos 80. Para a ex-primeira-dama inglesa, “a verdade é que a posse de arsenal nuclear evitou não apenas a guerra nuclear mas também a guerra convencional”. Da mesma forma, o homem da Casa Branca também acredita, ou é instruído a acreditar, na necessidade da corrida armamentista como forma de garantir a paz mundial. Parece não lhes ocorrer pensar que a escalada nuclear não tem fim e o desafio do diálogo, da diplomacia é resposta mais categórica e eficiente para a resolução do impasse que se instala nas relações internacionais. Bush pode esmagar Bin Laden e seus seguidores, mas não a idéia que os anima.

O ódio árabe pelos americanos não é gratuito. É uma resposta infeliz e raivosa à presença opressora dos Estados Unidos. As ações da gangue de Bin Laden são a radicalização do mal-estar árabe diante do (perdoem-me o clichê) imperialismo norte-americano. Assim como ninguém se reconcilia com o vizinho sob um clima de desconfiança mútua, as nações antagonistas só sentarão à mesa da paz se houver gestos de concessão. Bin Laden não é um herói dos oprimidos. É um sinal profético de um mundo em crise, à beira de um colapso. O mundo finalmente começa a exigir um novo mundo.