Natal em abril?
Dizem os entendidos, os respeitosos pesquisadores que buscam o Jesus histórico - o Nazareno de carne e osso -, que o mestre galileu não teria nascido no dia 25 de dezembro. Bem, dissessem isso alguns séculos atrás, teriam certamente virado churrasco humano em praça pública. Igual sorte seria a minha, se desfraldasse idéia tão herege assim e que, à época, recebia tratamento nada cortês dos inquisidores da Igreja. Isso porque a verdade não era necessariamente a verdade. Era uma invenção teológica convencionada pelos Santos Padres, batizada de dogma, que dispensava razão e exigia apenas aceitação cega e submissa. Tempos curiosos aqueles, em que religião tinha pavor da ciência. Fugia dela como o diabo da cruz. Mal sabia a Igreja que Deus mesmo, numa travessura necessária, havia infiltrado no homem o germe da ciência. Sim, o Criador havia tramado com o demo para que a religião perdesse a besta presunção de que detinha a verdade absoluta.
Depois de muitas pesquisas, os tais estudiosos concluíram que Jesus teria nascido em abril. Não me perguntem o dia, porque já seria demais exigir tanta precisão da ciência. De posse dessa forte suposição histórica, considerei se deveria propor, aqui, a mudança na data de comemoração do Natal. Vejo algumas vantagens. O tempo mais ameno, outonal, e para nós, do Hemisfério Sul, a chance de nos aquecermos ao redor de uma lareira acolhedora, aproveitando a precipitação de uma frente fria afobada.
Poderíamos também, por uma questão de economia, celebrar nascimento e morte de Jesus no mesmo dia. Afinal, para quem não sabe, é quase a mesma coisa. É como entrar e sair pela mesma porta. E Jesus o fez de maneira educadíssima. Primeiro, bateu à porta – entendam aqui uma alegoria à profecia de sua vinda. Depois, na terra, anunciou com antecedência sua saída, que aconteceu do jeitinho que desejava. Isso mesmo. Não compreendo – ou compreendo, mas não admito – por que muitos homens até hoje se pelejam por conta de acusações sionistas, destilando ódio em acusações contra judeus pela morte de Jesus. Ou então praguejam contra o jogo mole de Pilatos que, se escondendo por trás do lava-mãos, pensava tirar o corpo de qualquer responsabilidade sobre o destino do subversivo odiado pelo Sinédrio.
Na verdade, se eu fosse Jesus, não poderia pensar noutro desfecho mais apoteótico para sua saída desta tragédia humana que o espetáculo da Paixão. Se eu – vergonhosa imitação de homem – sei disso, tenho certeza de que o rabino não ignorava que, num mundo como o nosso, era preciso deixar rastros de sangue em sua passagem. Era imprescindível provar sua vitória gloriosa sobre a dor e o medo. Sabia, desde o início, de que iria precisar de judeus que o perseguissem e de romanos que o desprezassem. Porque assim seria desde então pelos séculos adiante. Homens – entre eles muitos cristãos – que o perseguiriam ou que desprezariam flagrantemente seu evangelho. A propósito disso, lembro o tratamento genocida dos brancos “civilizados” e cristãos aos indígenas “selvagens” e pagãos das Américas. Uma ensandecida traição à lei maior de que Jesus quis dar exemplo. Mas me rendo ao argumento de que mudar o Natal para o mês de abril desproveria o final de ano de sua atmosfera algo mágica e intimista. O feriado funciona quase como um freio na histeria de nossos dias. Ao aproximarmo-nos do dia 25, entramos em férias, reunimo-nos com a família, ocupamo-nos com os presentes. E assim ficamos até o ano novo. Num exercício de preguiça – ou de ócio reflexivo, se preferirem – que quase nos obriga a repassar a vida. Então, como há 500 anos, a verdade passa a ser irrelevante - não importa se Jesus nasceu em algum dia de abril. Importante é que todos precisamos de um natal no dia 25 de dezembro; de um natal para lembrarmos da família negligenciada, para deixarmos-nos tomar por alguma compaixão diante da infelicidade alheia, para, enfim, vermos que há algum sentido misteriosamente belo no que um hippie cabeludo disse há dois mil anos.
Depois de muitas pesquisas, os tais estudiosos concluíram que Jesus teria nascido em abril. Não me perguntem o dia, porque já seria demais exigir tanta precisão da ciência. De posse dessa forte suposição histórica, considerei se deveria propor, aqui, a mudança na data de comemoração do Natal. Vejo algumas vantagens. O tempo mais ameno, outonal, e para nós, do Hemisfério Sul, a chance de nos aquecermos ao redor de uma lareira acolhedora, aproveitando a precipitação de uma frente fria afobada.
Poderíamos também, por uma questão de economia, celebrar nascimento e morte de Jesus no mesmo dia. Afinal, para quem não sabe, é quase a mesma coisa. É como entrar e sair pela mesma porta. E Jesus o fez de maneira educadíssima. Primeiro, bateu à porta – entendam aqui uma alegoria à profecia de sua vinda. Depois, na terra, anunciou com antecedência sua saída, que aconteceu do jeitinho que desejava. Isso mesmo. Não compreendo – ou compreendo, mas não admito – por que muitos homens até hoje se pelejam por conta de acusações sionistas, destilando ódio em acusações contra judeus pela morte de Jesus. Ou então praguejam contra o jogo mole de Pilatos que, se escondendo por trás do lava-mãos, pensava tirar o corpo de qualquer responsabilidade sobre o destino do subversivo odiado pelo Sinédrio.
Na verdade, se eu fosse Jesus, não poderia pensar noutro desfecho mais apoteótico para sua saída desta tragédia humana que o espetáculo da Paixão. Se eu – vergonhosa imitação de homem – sei disso, tenho certeza de que o rabino não ignorava que, num mundo como o nosso, era preciso deixar rastros de sangue em sua passagem. Era imprescindível provar sua vitória gloriosa sobre a dor e o medo. Sabia, desde o início, de que iria precisar de judeus que o perseguissem e de romanos que o desprezassem. Porque assim seria desde então pelos séculos adiante. Homens – entre eles muitos cristãos – que o perseguiriam ou que desprezariam flagrantemente seu evangelho. A propósito disso, lembro o tratamento genocida dos brancos “civilizados” e cristãos aos indígenas “selvagens” e pagãos das Américas. Uma ensandecida traição à lei maior de que Jesus quis dar exemplo. Mas me rendo ao argumento de que mudar o Natal para o mês de abril desproveria o final de ano de sua atmosfera algo mágica e intimista. O feriado funciona quase como um freio na histeria de nossos dias. Ao aproximarmo-nos do dia 25, entramos em férias, reunimo-nos com a família, ocupamo-nos com os presentes. E assim ficamos até o ano novo. Num exercício de preguiça – ou de ócio reflexivo, se preferirem – que quase nos obriga a repassar a vida. Então, como há 500 anos, a verdade passa a ser irrelevante - não importa se Jesus nasceu em algum dia de abril. Importante é que todos precisamos de um natal no dia 25 de dezembro; de um natal para lembrarmos da família negligenciada, para deixarmos-nos tomar por alguma compaixão diante da infelicidade alheia, para, enfim, vermos que há algum sentido misteriosamente belo no que um hippie cabeludo disse há dois mil anos.